domingo, 18 de julho de 2010

Travessia




Quando você foi embora
fez-se noite em meu viver
forte eu sou mas não tem jeito
hoje eu tenho que chorar
minha casa não é minha
e nem é meu este lugar
estou só e não resisto
muito tenho pra falar

Solto a voz nas estradas
já não quero parar
meu caminho é de pedra
como posso sonhar
sonho feito de brisa
vento vem terminar
vou fechar o meu pranto
vou querer me matar

Vou seguindo pela vida
me esquecendo de você
eu não quero mais a morte
tenho muito que viver
vou querer amar de novo
e se não der não vou sofrer
já não sonho
hoje faço com meu braço o meu viver


(Milton Nascimento/Fernando Brant)

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quinta-feira, 15 de julho de 2010

   Durante a madrugada insone abri meu bom Herberto Helder (livro "Ou O Poema Contínuo") e... o que dizer... entendi um pouco minha insônia? Talvez seja isso. Compartilho aqui a quinta parte de "O Poema", original do livro "A Colher Na Boca".

V

Existia alguma coisa para denominar no alto desta sombria
masculinidade. Era talvez um cego escorrer
de sangue pelos anéis e flores do corpo.
Sei unicamente que era a força da tristeza, ou a força
da alegria da minha vida.

Havia também outra coisa que se deveria dar
um nome belo e lento. Algo que se cercava de lágrimas
como uma árvore se vai cercando de folhas
inúmeras. Tudo isso começava
a aparecer nas vozes e inspirações como uma ardente
confusão. Era primeiro uma virtude.
Depois, este vagaroso acender
da noite. O sangue despenhava-se
nas lagoas e grutas da carne. Hoje eu sabia
que era a tristeza, a tristeza - um poder
mais jovem do que os demais. Esquecia de novo os nomes,
e todo me circundava de uma torrente
silenciosa, de uma cítara fortemente anunciadora.

Nunca se deve dizer que um rosto perde
as suas brasas quando se inclina sobre a penumbra
de uma fonte, sobre um instrumento rápido.
Porque o rumor ressalta na noite parada, e pode-se
enlouquecer eternamente. Ou porque a colher
pode ligar a terra à violência do espírito.

— Lá estariam sempre as grandes arcadas de fogo,
as portas, a loucura das pontes celestes
aonde a invenção chega como um frio arrebatamento.
Havia essa espécie de vocação implorativa, a doçura
do corpo subtilmente preso por crateras e picos
ao tumulto das sombras.

Eu abaixava-me e tomava nos braços
essa criança ignota.
E porões enchiam-se de água, eu seria em breve
um afogado. Tudo me inspirava
nessa noite abrupta, entre o começo e o fim
do mundo. Como pode um coração absorver
tanta matéria, tanta inocência da terra?
Se era uma criança, sua vida circulava
indecisamente; se eram os mortos,
a distância tornava-se infinita. Apenas
a minha força se dobrava um pouco, e um novo calor
corria nas palavras adormecidas
e degelava as mãos que se cobriam
de um sentido impenetrável.

— Essa forma amparava-se no sexo repleto
de espinhos e espelhos,
e era uma espécie de retrato sem névoas, um eixo, um grito,
uma louca morte
onde começassem a girar as inspirações misteriosas.

Herberto Helder

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segunda-feira, 12 de julho de 2010

Aflição

Primeiro poema (soneto?) do livro "Sonetos Que Não São", de Hilda Hilst:
I
Aflição de ser terra
Em meio às águas
PÉRICLES E. DA SILVA RAMOS

Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha

Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera
(A noite como fera se avizinha)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar... se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.

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quinta-feira, 8 de julho de 2010

Co-memoração F.W.


   Hoje, o grande Fausto Wolff completaria 70 anos de vida, caso não tivesse precisado ir se encontrar com Marx, Freud, Shakespeare e outros, que andavam entediados e sem assunto e resolveram convocar o velho Lobo pra animar aquela dimensão. Bom pra eles, ruim pra nós, que ficamos aqui com cara de bunda ante um mundo cruel e difícil de entender. Antes tínhamos diariamente o censo crítico e a argúcia do Fausto pra desafiar a imprensa sócia do poder e nos ajudar a enxergar o outro lado das notícias, mas apesar da sua sentida ausência, o exemplo e ensinamentos do velho Lobo permanecem, sua importante obra permanece. Fausto Wolff permanece. Atual e importantíssimo.
   Um abraço aos amigos, familiares e admiradores do grande Fausto. Vamos co-memorá-lo.
   A seguir, três poeminhas do livro "Cem Poemas de Amor e Uma Canção Despreocupada":

IMPRENSA
O melhor de F.W.
é o que jamais
dirão dele.

ARTE 
Este palhaço
sou eu.
Mas não foi fácil
tornar-me tão
imprestável.

AUTOSOFIA
Os cavalos não correm
pra vencer.
Correm para correr,
pois para isso
foram desenhados.
Também não vivo
para vencer.
Vivo para viver,
pois para isso
me desenhei.
*Foto encontrada aqui.

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quinta-feira, 1 de julho de 2010

ATENÇÃO

Seja educado e não jogue fora este anúncio, se não lhe interessar passe para um amigo ou parente. Vamos manter a cidade limpa. Encontra-se em Belo Horizonte o vidente dicotomista, umbloguista e clownbudsman, Sr. Dicotômico. Ele está sempre pronto a lhe ajudar em seus pobremas. Tais como: amor mal correspondido, vícios em geral, doenças sem explicações, desemprego, casamento em crise, frieza sexual em ambos os sexos, falta de assunto, se sua firma ou negócios não vão bem, receber uma dívida, quer vender um imóvel rapidamente. Sr. Dicotômico traz a pessoa amada em poucos dias. Ele não cobra pelos seus trabalhos, você não precisa falar nada, ele Verá e falará tudo. Sr. Dicotômico pede, por favor, para não confundi-lo com outros que dizem trabalhar na mesma profissão. Seus trabalhos são totalmente rápidos, garantidos e sigilosos. Dependeno dos seus pobremas, Sr Dicotômico também lhe ajudará com banhos, cafunés, massagens, ou para as senhoras de idade com os velhos e imbatíveis, talismãs, rezas, simpatias, garrafadas. Ligue agora mesmo e marque sua consulta pelas cartas, truco, buraco e tarô - U$100,00. E estará orientado. Não deixe para depois o que você pode resolver agora mesmo. Muita atenção. Ele atende só com dia e hora marcada das 00:00 às 23:59, de 3ª à 2ª.

Rua Dicotômica, s/nº. Bairro dos Fontoura.
Qualquer ônibus que passar perdocê. Descer em frente à 7ª bifurcação, depois de andar toda vida, atrás da Rua Sem Saída.