terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Marchinha de carnaval!

Olha aí uma marchinha de carnaval feita para o carnaval de 2001 pelo comparsa Chacal (em parceria com mestre Nico - como consta no livro A VIDA É CURTA PRA SER PEQUENA de 2002).
MODIFICADO
eu hoje acordei modificado
nasceu um rabo no meu suvaco
não sei se foi o cu que eu comi ontem
tava escuro e eu tava com fome

o mundo tá muito avacalhado
é esquisitice pra todo lado
o homem quer de jesus cristo, um clone
e a mulher, nos peitinhos, silicone

é muita mutação entrando em cena
é boi clonado é soja transgênica
e como não tem verde que dê jeito
boto botox e eu viro prefeito

depois que o genoma foi decifrado
deus disse: chega! quem banca é o mercado
a biotecnologia vem a toda
e eu vou me acasalar com a vaca louca

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sábado, 21 de fevereiro de 2009

Entrevista com Hilda Hilst

Trecho de entrevista com Hilda Hilst publicada pela revista Cult em julho de 1998.

CULT Como foi a experiência de escrever crônicas, falar do dia-a-dia, você que é uma autora preocupada com a noção de Deus e a idéia da morte? Foi muito diferente de escrever ficção e poesia?

Hilda Hilst Foi muito diferente. Eu até aproveitei para divulgar o meu trabalho, voltar aos meus textos. É uma necessidade que eu tenho. Quando eu estava de saco bem cheio, não tinha nada para falar, aí eu punha trechos dos meus textos. E também faz muito tempo que eu estou dura. Mas aí teve um ano que eu fiquei sem dinheiro mesmo. As pessoas não me compram, não compram os meus livros, é dificílimo. Agora parece que está mudando um pouco. Quando você está quase morrendo, parece que dá vontade nas pessoas de te conhecerem. Mas acho que eu ainda não estou suficientemente velha. Nas crônicas às vezes dava para falar do dia-a-dia. Eu gosto especialmente das crônicas mais engraçadas, como a do E.G.E. (Esquadrão Geriátrico de Extermínio), em que eu proponho que as velhinhas (eu incluída) besuntem as pontas de suas bengalas com curare e saiam por aí espetando os políticos. Tem outra deslumbrante em que eu começo falando do Camus e, de repente, baixa o doutor Fritz e eu começo a falar com aquele sotaque alemão. Como em outra sobre a minha dívida de IPTU: "Venho atrravés de meu aparrelho, senhorra Hilst, que está adorrmecida em posizon de lótus, mas psicogrrafando meu mensagem, deizerr-lhes que o aparrelho prrecisa de dinheirras parra pagarr imposto PETÚ." (risos) É engraçadíssimo.

CULT Na crônica Receitas anti-tédio carnavalesco você recomenda um ritual que culmina com um tiro na cabeça. No seu livro Estar sendo - Ter sido também há muitas receitas de suicídio. Você já pensou em se matar?

H.H. Era uma brincadeira que eu fazia comigo mesma: "Será que não é bom a gente pegar aquele revólver, comprar um 9 mm?" - eu fiquei entendendo dessas coisas, 9 mm e tal. Mas me vinha uma coisa desagradável. Eu tenho muito medo de me assustar. Há também uma receita para isso de se assustar: é só fechar um olho. Quando for se matar, fecha um olho que aí você não fica tão mal, não se assusta tanto. Mas depois de um tempo aconteceram comigo coisas notáveis em matéria de mediunidade, que nem adianta contar porque as pessoas acham que eu sou uma louca. Então desisti, percebi que era uma fantasia minha esse negócio de me matar. Mas continuei interessada no assunto. Procurei por muito tempo esse livro, Suicídio: modo de usar [de Claude Guillon e Yves de Boniée], de onde eu tirei aquelas receitas. Às vezes a pessoa quer se matar em casa e não dá certo. Fica todo mundo batendo na porta, ou arrebentam a porta e tal. Então nesse livro eles ensinam muitas maneiras de se matar. Você pode tomar alguma coisa de efeito retardado, tipo Vesperax, que demora 48 horas, ir para um hotel e pôr aqueles avisos de Do not disturb em todas as línguas. Com esses remédios de efeito retardado, a pessoa dorme magnificamente e morre.

CULT A morte é um tema recorrente dos seus textos.

H.H. Eu tenho um cagaço tenebroso da morte. As pessoas dizem, "nossa, você que fala tanto da morte, tá assim cagada de medo..." É que eu tenho medo do sofrimento. Eu sempre pedi que eu ficasse obscura contanto que não sofresse. E olha que o lá de cima, esse Deus, que eu não conheço, ele cumpriu, não deixou que eu sofresse.

CULT Você nomeia Deus de muitas maneiras: "Grande coisa obscura", "Cara cavada", "Máscara do nojo", "Cão de pedra", "Superfície de gelo ancorada no riso". Sua concepção de Deus se aproxima da do poeta alemão Rainer Maria Rilke, do Deus imanente a todas as coisas, do "Deus coisificado"?

H.H. Não é bem isso. O meu Deus não é material. Deus eu não conheço. Não conheço esse senhor. Eu sempre dizia que Ele estava até no escarro, no mijo, não que Ele fosse esse escarro e esse mijo. Há uma coisa obscura e medonha nele, que me dá pavor. Ele é uma coisa. Se bem que depois que eu li Heidegger, e releio sempre, não consigo mais falar "coisa". Heidegger escreveu um livro enorme só para falar o que é uma coisa. Mas esse tipo de conversa você não pode pôr na revista. As pessoas ouvem falar em Deus e se chateiam. Tem que falar de coisas normais. Só quando o Paulo Coelho fala em Deus é que as pessoas escutam.

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RECEITAS ANTITÉDIO CARNAVALESCO

Em 22 de fevereiro de 1993, Hilda Hilst publicou o seguinte trecho do livro "Contos D´Escárnio - Textos Grotescos" em sua coluna no Caderno C do jornal diário Correio Popular de Campinas.
RECEITAS ANTITÉDIO CARNAVALESCO
Pequenas sugestões e receitas de espanto antitédio para durante o carnaval:

I
Pegue um nabo. Coloque duas ou três palavras dentro dele, por exemplo: bastão, ouro, amplidão. Chacoalhe. Você não vai ouvir ruído algum. É normal. Aí ajoelhe-se com o nabo na mão e diga:

Com o bastão que me foi dado
Com o ouro que me foi tirado
E sem nenhuma amplidão
De conceitos e dados
Quero renascer brasileiro
E poeta.
Quem te ouvir vai ficar besta.

II
Colha um pé de couve e dois repolhos. Embrulhe-os. Faça as malas e atravesse a fronteira. Tá na hora.
III
Pergunte ao seu filhinho se ele quer laranja descascada de tampinha ou de gomo. Se ele disser que quer laranja descascada de tampinha, diga que um menino bem educado sempre escolhe a
de gomo. Se ele começar a chorar, chupe você a laranja. De tampinha, naturalmente.
IV
Enfeite a mesa com flores. Compre um peru. Feche as crianças no banheiro. Antes de começar a ceia, convide seu marido para dançar ao redor da mesa (não mexa com o peru). Inopinadamente pergunte se ele gosta de trufas. Se ele disser que sim, gargalhe algum tempo atrás da porta e diga que "trufas não tem não, amorzinho".
V
Compre manteiga. Passe-a nos dedos (esqueça Marlon Brando). Chupe-os. E diga em tom de oração: que vida solitária, meu Deus! (Contenha-se).
VI
Compre uma língua de tucano (é uma umbelífera), uma língua de vaca (Chaptalia nutans é seu nome científico), um lírio branco (Lilium candidum), dois caquis (não é cáqui, não vá comprar o brim da cor dos caquis), ferva durante cinco minutos. Depois jogue fora, olhando para o alto. É uma simpatia para você não dormir.
VII
Corte um saco em pequenos pedaços. Um de estopa, evidente. Embrulhe vários ovos, um por um, em cada pequeno pedaço de estopa. Pinte caras descarnadas, dentes pontudos e beiços vermelhos na cara dos ovos (sempre esses de galinha ou de pato, é desses que estou falando). Quando alguma das tuas crianças começar a pedir aquelas coisas caríssimas e imbecis que são sugeridas na televisão, cubra-se de negro à noite, use tintas fosforecentes para ressaltar a cara dos ovos (aqueles) e quebre-os um a um nas pequeninas cabeças dizendo com voz rouca: parem de pedir coisas impossíveis a sua mãe, seus canalhas!
VIII
(Se você for PhD, leia até o fim. Se não pule esta.)
Faça um buquê de orelhas. É fácil. Peça apenas uma a cada um de seus amigos mais íntimos. Diga-lhes que é para uma causa nobre. Se perguntarem qual causa (não confundir com Cáucaso, é outra coisa), diga que você precisa mandar o buquê para tua velha e querida preceptora inglesa (quando você tinha quinze anos, lembra-se?), que arrancou as tuas porque você insistiu inquebrantável durante doze horas seguidas que aquela primeira frase de Marco Antônio para o povão era, na "tua" tradução, "Emprestai-me vossas orelhas". Todos concordarão, acredite, com o teu pedido. Ainda mais porque todo mundo sabe que "Lend me your ears" quer dizer isso mesmo.
IX
Se você quer se matar porque o país está podre, e você quase, pegue uma pedrinha de cânfora e uma lata de caviar e coloque ao lado do seu revólver. em seguida, coloque a pedrinha de cânfora de baixo da língua e olhe fixamente para a lata de caviar. Só então engatilhe o revólver. (É bom partir com olorosas e elegantes lembranças. Atenção: não dê um tiro na boca porque a pedrinha de cânfora se estilhaça.) *
*Trecho do livro Contos D´Escárnio - Textos Grotescos de Hilda Hilst.
Crônica presente no livro "Cascos & Carícias & Outras Crônicas".

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